sábado, 14 de agosto de 2010

UMA SALA COMO ESPAÇO DE VIVIÊNCIA E APRENDIZAGEM

A sala de aula é o espaço de encontro entre alunos, professor(a) e conhecimento.
Nela, vínculos de amizade, cooperação e confiança se constroem e se consolidam, animando o
processo de ensinar e aprender.
Vista dessa forma, a sala de aula é pulsante, viva e dinâmica. As vozes de cada aluno(a) e do(a) professor(a) podem ser ouvidas, ampliadas e aprimoradas, através da interação entre eles
e deles com o conhecimento.
As atualidades permitem que pensemos, então, nas marcas que caracterizam a sala de aula como espaço de vivência e aprendizagem.

Transformar a sala de aula da EJA num espaço de reflexão, de pensamento, nem sempre é uma tarefa fácil. Numa sociedade tão hierarquizada como a brasileira, nossos alunos e alunas, geralmente, desenvolvem as ocupações mais subalternas, nas quais o que mais se tem a fazer é obedecer a uma série de chefes, patrões, gerentes... Treinados a seguir orientações, não é de estranhar que ao chegarem à escola desejem encontrar atividades em que predominem a cópia, a repetição do que disse o(a) professor(a) e outras situações do mesmo tipo. Pensar e tomar decisões é bem diferente e dá muito trabalho, principalmente para quem tem pouco exercício dessa prática
UMA VISÃO DE ESCOLA

A escola é o lugar especialmente estruturado para potencializar a
aprendizagem dos alunos. A escola, poderíamos afirmar, é o cenário no Qual alunos e professores, juntos, vão construindo uma história que modifica, amplia, transforma e interfere em diferentes âmbitos: o da pessoa, o da comunidade na qual está inserida e o da sociedade, numa perspectiva mais ampla.
No lugar de um espaço fechado, com muros altos e portões trancados, defendemos uma escola com muros transponíveis, de portas abertas tanto à cultura popular quanto à cultura erudita.
Os horários e a rigidez da grade curricular são, muitas vezes, obstáculos à entrada e permanência do(a) aluno(a) jovem e adulto na escola. É preciso lembrar, sempre, que esses alunos são em sua imensa maioria trabalhadores, pessoas com responsabilidades familiares, o que imprime algumas restrições e dificuldades para chegar e estar na escola. Assim, torna-se necessário que a
escola proponha uma forma de organização adequada ao público jovem e adulto.
É preciso repensar horários de entrada e saída, os tipos de tarefas extraescolares, as exigências em torno da freqüência, as propostas feitas que não conseguem manter os alunos motivados e atuantes, de tal modo que estar na escola a despeito do cansaço, do adiamento de outros compromissos e da ausência na família seja realmente importante e indispensável.
No começo dos anos de 1960, Paulo Freire levantou uma questão fundamental para a educação: a importância de se trabalhar com temas significativos para os alunos. É a mesma com a qual nos ocupamos agora, neste momento da nossa conversa sobre a sala de aula e a perspectiva dos conteúdos.
Paulo Freire propôs o que chamou de temas geradores: educador e educando debruçam-se sobre aspectos da realidade que, mantendo ligação com o universo conhecido deles, são capazes de impulsioná-los para novas descobertas.
A pergunta: Você já aprendeu algo com seu aluno? Feita a um
grupo de professores, teve entre outras as seguintes respostas:
. “Aprendi que falo muito rápido e que isso dificulta me
compreender.”
. “Aprendi muitas coisas sobre a vida nas pequenas cidades,
principalmente no norte do Brasil. Muitos dos meus alunos
vieram de lá.”
. “Aprendi a calcular mentalmente. E não foi fácil aprender!”
. “Aprendi muitas coisas, mas a mais importante foi aprender a
ter fé na vida e lutar sem perder a esperança.”
. “Aprendi a não faltar à aula desde o dia em que uma aluna me
disse: Hoje estou morta de cansaço, fiz duas faxinas, acordei
muito cedo para marcar consulta no posto de saúde. Pensei
muito em faltar. Mas, quando me lembrei que você ia estar me
esperando, arranjei coragem e vim.”
. “Aprendi a alfabetizar. Antes só imaginava, agora sei de fato.”
. “Aprendi que precisava estudar mais porque descobri que é
preciso ter segurança no que vai ensinar .”

ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO







Na verdade, não há uma forma única e correta de organizar o espaço da sala de aula. Importa que levemos em conta que uma e outra maneira servem a propósitos distintos, favorecem relações entre alunos e entre estes e o(a) professor(a) também distintas.
Ainda sobre o espaço, é importante pensarmos na história que as paredes podem contar. Murais com produções dos alunos, fotografias do grupo em situações de trabalho ou em horários de intervalo e suas histórias de vida, não só favorecem o contato com modelos de escrita, mas dão vida àquele espaço compartilhado e mostram que ali se encontra um grupo em situação de conhecimento.

RODAS DE CONVERSA

Muitos são os temas e propostas que o(a) professor(a) pode trazer para iniciar as rodas de conversa, para que elas possam se configurar como:
. momento em que os alunos emitem suas opiniões sobre um determinado
tema, trazido por eles mesmos ou pelo(a) professor(a);
. momento em que decidem os rumos de um projeto, um estudo, uma
visita a algum lugar significativo da cidade;
. momento em que apreciam uma imagem, uma história;
. momento em que analisam uma notícia, um acontecimento na comunidade
local ou no mundo, uma nova informação;
. momento em que dão notícias acerca de sua própria vida dentro e fora
da escola;
. momento em que avaliam seu percurso no caminho do conhecimento e
do crescimento pessoal e coletivo;
. momento em que comentam as notícias do rádio, do jornal ou da
televisão.
MAPAS DO GRUPO

A confecção de quadros com referências dos alunos pode favorecer a
construção da identidade da sala de aula.
Cada aluno organiza um quadro onde apresenta seu perfil, com dados do tipo:
. ano em que nasceu;
. estado de origem;
. cidade natal;
. estado civil;
. bairro ou vila onde mora;
. quantos filhos tem?
. trabalhos que já realizou;
. o que sabe fazer;
. o que gostaria de aprender;
. como gosta de descansar;
. e outros mais...
A exposição dos quadros permite que o grupo se dê conta dos aspectos que
os aproximam e daqueles que os diferenciam. Professor(a) e alunos podem
criar um quadro geral, chamando a atenção de todos para as marcas comuns e as particularidades de cada um. Dos perfis é possível extrair temas de interesse a partir dos quais a aprendizagem vai se dar.
ENCONTROS CULTURAIS

Um caminho interessante pode ser o que chamamos “encontros culturais”, nos quais cada aluno ou grupo de alunos apresenta ou ensina aquilo que sabe bem e que traduz um aprendizado informal, construído pela experiência, na sua comunidade, em cooperativas ou na família. Uma dança regional, o repente, a música de viola, uma comida tradicional, a confecção de bonecas e outros artesanatos e a grafitagem têm sido temas comuns em diferentes cantos do Brasil.
Os encontros acontecem quinzenalmente, às sextas-feiras, e neles são realizados dois ou três grupos, dependendo da duração de cada um deles.
Os materiais têm sido, em grande parte, conseguidos na escola e outros trazidos pelos alunos.Não é fácil para os alunos, num determinado tempo, se tornarem os professores. Para ajudá-los é importante fazer uma reunião com os oficineiros para conferir os materiais necessários, como pensam em desenvolver o trabalho, se há algum texto, qual é, etc. Esta reunião aumenta a confiança do oficineiro e no início isso é fundamental.
É bom lembrar que diversificar as atividades, na rotina da sala de aula, não significa ter a responsabilidade de criar uma novidade a cada aula, a cada dia.
Falamos de uma diversidade de caminhos, tempos, lugares e de olhar; pensamos numa aula onde a lógica didática mais tradicional dê lugar à experiência inteira do aprender: ver, agir, pensar, fazer, experimentar, com todos os sentidos acionados.

Há alguns anos, alguns professores de didática organizaram o que denominaram de Modalidades Didáticas, numa tentativa de agrupar tipos de atividades que poderiam ser distribuídas numa semana ou quinzena de aula.
Olhar para essas modalidades pode auxiliar o(a) professor(a) a tornar seu planejamento e a rotina de trabalho com seus alunos mais proveitosos.

SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES

É um conjunto variado de situações em que os alunos atuam durante um
determinado tempo: um dia, uma semana, todas as terças-feiras, mensalmente
etc. Exemplo: A rotina de classe é uma seqüência diária de atividades.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA

A organização de uma SEQÜÊNCIA DIDÁTICA pressupõe conhecimento sobre
o conteúdo a ser aprendido e uma visão didática sobre os processos de
aprendizagem na área de conhecimento a que ele pertence.
Observe os exemplos de seqüência didática presentes na aprendizagem da
leitura e da escrita, em diferentes metodologias que buscam alfabetizar:
. a seqüência de propostas que encontramos nas cartilhas (da letra para
a sílaba, para a palavra, para a frase, para os conjuntos de frases etc.);
. a seqüência de atividades nas quais os alunos aprendem a ler e a
escrever através de palavras relacionadas ao espaço social e
comunitário, em que vivem e partindo delas (como chaves para o
processo de alfabetização) aproximam-se da estrutura alfabética da
língua (no caso da língua portuguesa);
. a seqüência em que os alunos conhecem e aprendem a ler e escrever
textos selecionados em revistas, livros, panfletos e jornais que circulam
no meio sociocultural em que vivem.
Um outro exemplo, em relação à matemática:
A seqüência que envolve exercícios de memorização de tabuadas para que
os alunos possam, depois, aprender a resolver as contas armadas pelos
algoritmos convencionais. É prática ainda comum em muitas escolas.
O(a) professor(a), em cada forma de realizar o seu trabalho, em cada área de conhecimento, realiza uma opção didática, consciente ou não, que fornece os conceitos a partir dos quais planeja, realiza e avalia as propostas que desenvolve com os alunos e alunas em classe.

PROJETOS

PROJETOS são unidades de trabalho, conjuntos de situações de ensino que
permitem aos alunos aproximação a determinados conteúdos curriculares.
Dependendo da abrangência do tema escolhido, podem durar dias, semanas
ou meses.
Os projetos permitem que alunos com diferentes habilidades e competências
atuem juntos com vistas a um objetivo comum. Além disso, no projeto um
mesmo tema pode ser abordado a partir de diferentes pontos de vista,
garantindo um olhar interdisciplinar para o conhecimento em jogo.


Para concluir, podemos ver a prática do PROJETO a partir de diferentes
pontos de vista.
Do ponto de vista do desenvolvimento do trabalho com os alunos
. É um conjunto de situações contextualizadas e de resolução
compartilhada. É um processo de elaboração coletiva.
. Envolve alunos e professores.
. Parte de temas que são conteúdos de conhecimento social e
escolares.
Em relação ao tempo didático que utiliza
. Permite uma organização flexível do tempo: segundo a
aprendizagem pretendida, um projeto pode ocupar apenas alguns
dias ou desenvolver-se ao longo de vários meses.
Em relação à produção dos alunos
. Tem como característica mais conhecida o fato de geralmente
incluir como encaminhamento central uma produção coletiva,
quase sempre, mas não obrigatoriamente, é compartilhada com
outros grupos, dentro ou fora da escola.
Em relação aos conteúdos abordados
. O trabalho por Projetos se desenvolve a partir de temas que
permitem abordar conteúdos de mais de uma área.
A CRIAÇÃO DA ROTINA DE TRABALHO

Vamos observar, agora, a rotina de um grupo de EJA correspondente ao
primeiro segmento do ensino fundamental:

Segunda: Roda de conversa / Leitura de notícias do final de semana / Trabalho Individual com escrita / Trabalho em grupo: projetos / Registro coletivo do dia.
Terça: Roda de conversa e leitura feita pelos alunos / Atividades de matemática em duplas / Trabalho em grupo: projetos / Registro individual do dia.
Quarta : Roda de conversa / Leitura feita pelo professor / Expressões plásticas / Trabalho em grupo: projetos /Registro coletivo do dia.
Quinta: Roda de conversa / Leitura feita pelos alunos e com o professor / Atividades diversificadas (cantos de trabalho) / Trabalho em grupo: projetos / Registro individual do dia.
Sexta: Biblioteca Atividades de escrita matemática / Jogos de Lógica / Roda de conversa: avaliação da semana; indicações de atividades para o final da semana.

O estabelecimento da diferenciação no tratamento didático dos conteúdos de ensino contribui para o desenvolvimento da prática dos professores.
. a rotina garante o registro diário das experiências vividas; por vezes esse registro é feito individualmente, noutras, faz-se um registro coletivo.
. as atividades de língua e matemática aparecem alternadamente, numa
relação de equilíbrio.
. há um equilíbrio, também, entre propostas de trabalho individual, em
pequenos grupos e coletivo.
. as áreas de Ciências, História e Geografia são abordadas nos projetos,
cujos temas variam no decorrer do ano e a partir dos interesses e
necessidades dos alunos.

A partir dos comentários acima, é necessário frisar que uma rotina adequada é aquela que responde ao ritmo, aos interesses e às necessidades dos alunos que compõem cada grupo. Nesse sentido, a
cada nova turma, novo ano ou semestre o(a) professor(a) precisa recriar o tempo e o espaço da sala de aula, em função da demanda específica dessa nova condição. Importa, apenas, que haja na rotina um equilíbrio entre a diversidade e a constância.
A ESCOLHA DAS ATIVIDADES

1. Para acionar conhecimentos, já adquiridos:

. em algumas regiões do Brasil, o plantio do café é feito da seguinte
forma: alterna-se uma muda de café com outra de uma raiz,
normalmente mandioca. Na sua opinião, por que isso é feito?
. a lista abaixo traz o itinerário de alguns ônibus de transporte coletivo,
marque aqueles que você conhece.
. como posso descobrir, de forma rápida, a quantidade de pães que deve
ser comprada para o lanche do noturno (ou da nossa classe)?
. você acha correto colocar fogo num determinado local para poder
plantar nele depois? Que tipos de problemas podemos ter usando essa
técnica?
. escreva um bilhete para seus familiares avisando que pretende visitálos
nas férias.
. por que existe o desemprego? Quais suas conseqüências para as
pessoas e para o nosso país?
2. Atividades para aprender:

. apresentar duas soluções para um mesmo problema, sendo uma correta
e outra não. Pedir para que os alunos marquem a solução correta e
expliquem por que a outra não está.
. ler um texto marcando as informações necessárias para saber sobre um
determinado assunto, ou para responder a algumas questões.
. produzir um texto, carta ou panfleto sobre assunto já conhecido.
. revisar textos escritos.
. experimentar uma nova estratégia de cálculo.
. opinar (oralmente ou por escrito) a respeito de um filme, de uma notícia,
um acontecimento no bairro, cidade ou país.
. elaborar e discutir questões para fazer uma entrevista (com o diretor do
posto de saúde, o prefeito, um escritor).
. ler diferentes versões de uma mesma história e compará-las quanto a
semelhanças e diferenças.
. descobrir as diferenças entre os preços de dois supermercados.
3. Atividades para sistematizar conhecimentos:

. pontuar um trecho de um texto conhecido.
. revisar o texto produzido por um colega de classe.
. escrever um texto de determinado tipo, respeitando suas características
básicas (uma quadra, uma notícia, uma receita, um texto informativo).
. escrever um texto defendendo uma idéia, combatendo outras.
. calcular os gastos para um lanche coletivo na escola.
. completar lacunas: num texto ou numa lista de palavras (olhando, neste
caso, para as questões ortográficas).
. confeccionar um panfleto, a primeira página de um jornal, um índice, etc.
(desde que o jornal e o panfleto tenham sido bastante explorados pelos
alunos).
. interpretar e comentar os dados de um gráfico.
Estes são apenas alguns exemplos de atividades e todas fizeram parte de
uma seqüência de situações didáticas, nas quais os alunos puderam aprender um novo conteúdo.
A partir do trabalho em cada área e com seu grupo, o(a) professor(a) pode
planejar as atividades mais adequadas para cada um dos momentos de
aprendizagem.
Para continuar pensando...

Um exercício interessante para o(a) professor(a) é
a análise dos tipos de atividades feitas ao longo de
um determinado período. Pode ser um mês, um
bimestre, um semestre. Reveja cada uma das
propostas que fez aos alunos, liste-as e, em
seguida, tente agrupá-las quanto a seus propósitos
ou dentro dos tipos de atividades listados acima.
Essa análise nos ajuda a saber que situações
estamos priorizando e quais estão sendo preteridas
na dinâmica de nosso trabalho com os alunos.
Outra pergunta que podemos nos fazer, quando
voltamos às situações e atividades propostas: elas
são adequadas ao público jovem e adulto?
“A criação de uma rotina de trabalho trouxe uma mudança
significativa para meus alunos da EJA. Hoje, consigo perceber com mais clareza o quanto o fato de conhecer antecipadamente as ações que serão realizadas dá a eles a tranquilidade que é a de não ser, a cada momento, surpreendido pelo que não esperavam.
Parece um fato bem simples, mas interferiu muito
no clima geral da sala.”
Dirce Nogueira

“A prática pedagógica é constituída de limites. Limites da realidade dos sujeitos e de seu tempo histórico. O educador, no seu cotidiano, lida com a organização desses limites, na construção de sua rotina.”
Madalena Freire

2 comentários:

  1. o texto aborda sobre a escola que ela tem que ser uma coisa prazeroza para o aluno, a segunda casa do aluno!!!!!

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  2. o texto abosobre a escola, nao devemos cobrar dos jovens e adultos os mesmo que cobramos das crianças, porque o jovem e adulto trabalham. Nós temos que respeitar os limites deles, pois eles nunca tiveram acesso na escola temos que respeitar e valorizar.

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